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Aversão à ditadura e desejo de nova Constituinte podem levar candidato da esquerda à vitória no Chile

Por Central TO em 05/12/2021 às 10:34:16

As primeiras semanas de dezembro serão marcadas pelas campanhas de dois candidatos de polos políticos diferentes que tentam ganhar a presidência do Chile. De um lado, Gabriel Boric, um nome que surgiu nos movimentos estudantis de 2011 e entrou para a política como deputado federal em 2013, pode se tornar o presidente mais jovem da história do país e assumir o cargo aos 35 anos. Do outro, o advogado José Antonio Kast, de 55 anos, que assumiu o primeiro cargo na vida pública em 2001 e sempre se declarou conservador pode oficializar a ascensão da ultradireita em mais um país latino. A primeira pesquisa após o primeiro turno das eleições presidenciais, divulgada no último dia 29 pelo Instituto Caden, mostra Boric com 54% dos votos válidos em comparação a Kast, que tem 46%. O candidato da esquerda é preferido pelos jovens de 18 a 34 anos de classe alta e média. O candidato da extrema direita, por sua vez, é o mais votado entre maiores de 55 anos, homens e de classe alta.

Os indecisos correspondem a pessoas de setores socioeconômicos mais baixos e que não votaram sobre a criação de uma nova Constituinte no plebiscito de 2020, a ser chancelada pelo próximo presidente eleito. Quando encaramos os números gerais da pesquisa, que incluem os que não votarão ou ainda não sabem em quem votar, a porcentagem de Boric é de 39%, e a de Kast 33%. Os especialistas ouvidos pela Jovem Pan explicam que uma série de motivos confirmam a preferência do candidato da esquerda no segundo turno. “Quando você analisa como foi a votação do primeiro turno, você tem o Kast com 27,9% dos votos, o Boric com 25,8%, e em terceiro o Franco Parisi, com 12,8%. Parisi é um liberal social, então ele tenderia a migrar boa parte dos seus votos para o Boric. O Sebastian Sichel, que teve quase a mesma votação do Parisi e é o candidato do Sebastian Piñera, é um candidato que pode ter uma parte dos seus votos migrando para o Kast, mas dificilmente vai ser uma migração massiva”, aponta Marcelo Balloti Monteiro, professor do curso de ciências econômicas da Universidade Anhembi Morumbi. Ele lembra que a senadora democrata-cristã, Yasna Provoste, também tem inclinações à esquerda que podem levar a maior parte dos 11% do seu eleitorado para o jovem deputado.

A professora da Universidade Federal de São Paulo, Regiane Nitsch Bressan, lembra que os candidatos terão dois grandes desafios no segundo turno: convencer seu eleitorado a ir às urnas em um país no qual o voto não é obrigatório e capitalizar os eleitores de outros candidatos, que somaram mais de 40% dos votos. “Eles estão tentando capitalizar esses votos com um discurso geralmente mais moderado, sobretudo o Boric. Podemos identificar que nesta última semana ele começou a apresentar um discurso um pouco mais moderado, o que vai ser essencial não apenas para uma possível vitória, mas para uma questão de governabilidade. A gente sabe que a partir de março de 2022, o governo vai ter que governar com maioria no Congresso, então é muito importante que esse discurso seja um arranjo que agregue opiniões diferentes”, analisa a docente.

Saudosismo à ditadura pode aumentar desvantagem de Kast

As menções de Kast à ditadura de Pinochet – que deixou mais de 3 mil mortos e desaparecidos no país latino e terminou apenas na década de 1990 – como algo positivo são apontadas pelos dois especialistas como um fator que distancia parte do eleitorado que poderia votar nele. “Kast representa de fato uma ala de direita bem agressiva. Ao longo da sua campanha, ele fez muitas menções ao governo autoritário de Pinochet. Isso acaba afastando muitas vezes o eleitorado da figura dele. O Chile teve uma ditadura muito perversa. Eles têm, inclusive, um museu na capital em memória disso e têm muito presente no cotidiano os anos da ditadura. Se por um lado temos aquele movimento conservador que começou nos países desenvolvidos e agora se localiza na América do Sul, no Brasil, na Argentina com a eleição do Javier Milei, o Kast afasta esse movimento e acaba criando repulsa de possíveis eleitores que não votariam no Boric justamente com essas menções [a Pinochet]”, afirma Bressan.

“A memória da ditadura do Chile talvez seja até mais intensa do que no Brasil. Embora não haja uma gradação de sofrimento, o Chile sofreu muito com Pinochet, e acredito que a possibilidade da volta de um candidato da ultradireita traz medo à sociedade”, opina Monteiro. Outro fator que vai guiar o mandato do próximo eleito será a forma como eles podem lidar com a nova Constituinte que foi aprovada por plebiscito em 2020 e é debatida em assembleia no país. “A Constituinte é uma espécie de busca pelo passado do Chile, do Chile voltar a ser um estado de bem social que foi antes do regime de Pinochet. Se o Boric for eleito presidente, acredito que a chance da constituinte avançar é muito maior do que as chances de se o Kast entrar. Como ele [Kast] é um ultraliberal conservador, muito provavelmente ele não vai querer que retorne a questão do Estado participando mais da economia de um estado mais solidário, que olhe mais para as camadas mais pobres da sociedade, então muito provavelmente a eleição do Boric seria melhor nesse sentido”, pontua o professor da Anhembi Morumbi.

A análise do professor é compartilhada pela docente da Unifesp, que vê a possibilidade do candidato da direita criar mais obstáculos na aprovação da Constituinte se for eleito. “Acredito que o Boric tem mais chances porque vai dar continuidade para esta mudança que já está sendo instaurada no Chile. Ele é um candidato que vai ser muito mais favorável a uma Constituinte bem reforçada, como o Chile deseja”, explica. Enquanto os dois candidatos, que ocupam polos mais extremos do que qualquer outro que já presidiu o país após a redemocratização, tomam as ruas em campanha para angariar novos votos, uma pesquisa eleitoral deve ser divulgada nos próximos dias. A população voltará às urnas em 19 de dezembro.

Fonte: JOVEM PAN

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