Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Minas mostrou que o consumo de medicamentos relacionados à saĂșde mental fornecidos pelo Sistema Ănico de SaĂșde (SUS), em Minas Gerais, aumentou durante a pandemia de covid-19. O estudo analisou dados do Sistema Integrado de Gestão da AssistĂȘncia FarmacĂȘutica de forma a traçar o perfil do fornecimento de psicofĂĄrmacos e verificar as tendĂȘncias de uso antes e durante a pandemia.
A anĂĄlise compreendeu dados gerados em um perĂodo de quatro anos: entre janeiro de 2018 e dezembro de 2019, para verificar o consumo antes do surgimento dos casos de covid-19 no paĂs, e de janeiro de 2020 a dezembro de 2021, para apurar o uso durante a pandemia.
De acordo com as anĂĄlises, os medicamentos mais consumidos no decorrer da pandemia foram o cloridrato de fluoxetina, indicado para o tratamento de depressão; o diazepam, prescrito para ansiedade; e fenobarbital sódico, para epilepsia. Comparando os dois perĂodos, antes e depois da pandemia, os medicamentos que tiveram maior aumento percentual de consumo foram clonazepan, para ansiedade, com aumento de 75,37%; e carbonato de lĂtio, que tem como principal uso o tratamento do transtorno de bipolaridade, com aumento de 35,35%.Entre os itens do Componente Especializado da AssistĂȘncia FarmacĂȘutica, os medicamentos mais consumidos foram olanzapina, risperidona e hemifumarato de quetiapina, todos indicados para o tratamento de esquizofrenia. Os que tiveram maior aumento no percentual de consumo, comparando os dois perĂodos, foram levetiracetam, para epilepsia, com elevação de 3.000%; e cloridrato de memantina, indicado para Alzheimer, cujo consumo subiu 340%.
Para a farmacĂȘutica Sarah Nascimento Silva, que integra o NĂșcleo de Avaliação de Tecnologias em SaĂșde da Fiocruz e coordenou o estudo, embora o crescimento no consumo de antidepressivos e ansiolĂticos possa estar associado ao contexto de incertezas e preocupações gerado pela pandemia, outras questões podem ter influenciado nesse aumento, como medidas importantes que afetaram as polĂticas pĂșblicas de saĂșde mental.
"Primeiramente, houve a alteração da legislação que regula a dispensação de medicamentos psicotrópicos, em vigĂȘncia entre março de 2020 e setembro de 2023, que ampliou temporariamente as quantidades mĂĄximas de medicamentos permitidas nas notificações e receitas de controle especial. Essa resolução triplicou a quantidade de medicamentos dispensados em uma Ășnica receita e ainda autorizou a entrega remota, antes proibida", disse a pesquisadora.
Outro ponto importante destacado por ela foi a ampliação de transferĂȘncia de recursos financeiros aos municĂpios, por parte do Ministério da SaĂșde, para aquisição de medicamentos do Componente BĂĄsico da AssistĂȘncia FarmacĂȘutica, tendo como justificativa os impactos sociais causados pela pandemia, o que possibilitou a expansão da oferta de medicamentos à população.
A farmacĂȘutica ressaltou que, embora essas alterações tenham ampliado e facilitado o acesso aos medicamentos, a Rede de Atenção Psicossocial jĂĄ vinha, nos anos anteriores à pandemia, sofrendo mudanças que impactaram negativamente na assistĂȘncia prestada aos usuĂĄrios, que deixaram de contar com uma série de atendimentos. Durante a pandemia, isso foi agravado, jĂĄ que com o isolamento social a rotina de serviços dos centros de Atenção Psicossocial (CAPs) foi bastante afetada, impactando ainda mais na assistĂȘncia adequada.
"Ou seja, em um momento de alta vulnerabilidade da população, observam-se o acesso e a oferta facilitada a esses medicamentos, ao mesmo tempo em que a rede de assistĂȘncia estava comprometida. Assim, sabendo do alto potencial de dependĂȘncia e abuso dos psicofĂĄrmacos, este estudo também chama a atenção para o risco de que tais mudanças, ainda que transitórias, possam alterar comportamentos que vão exigir um trabalho contĂnuo da AssistĂȘncia FarmacĂȘutica com foco no uso racional dos medicamentos", afirma.
A coordenadora ressalta, ainda, que um dos fatores que pode ter influenciado no crescimento do consumo do levetiracetam, que registrou aumento de 3.000%, é o acesso recente a esse medicamento, incorporado à lista de produtos ofertados pelo SUS em 2017, para tratamento de epilepsia refratĂĄria e microcefalia. Assim, o aumento no fornecimento possivelmente não estĂĄ ligado a uma questão epidemiológica, mas tem relação com o tempo que uma nova tecnologia incorporada é de fato implementada na prĂĄtica clĂnica.