Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) participaram do desenvolvimento de uma inteligĂȘncia artificial capaz de ajudar médicos a identificarem a hansenĂase. A criação do assistente de diagnóstico, chamado de AI4Leprosy, contou com a parceria e financiamento da Microsoft e da Fundação Novartis e teve os resultados publicados na revista cientĂfica The Lancet Regional Health Americas. Também integraram o estudo as universidades da Basileia, na SuĂça, e de Aberdeeen, na Escócia.
Segundo a Fiocruz, o software foi capaz de identificar a hansenĂase como causa de lesões na pele dos pacientes em mais de 90% dos casos em que foi submetido a teste. Com a publicação dos resultados, os pesquisadores poderão avançar na criação de um aplicativo de celular que futuramente poderĂĄ ser usado por profissionais de saĂșde.
A tecnologia desenvolvida combina a anĂĄlise de fotos das lesões com dados clĂnicos dos pacientes, por meio de um algoritmo que faz o reconhecimento de imagens e é capaz de diferenciar variações sutis de tons, quase imperceptĂveis ao olho humano.
Para que o algoritmo fosse capaz de fazer o reconhecimento, foi necessĂĄria a comparação de fotografias de lesões causadas pela hansenĂase e por doenças semelhantes, em uma técnica chamada de aprendizado de mĂĄquina (machine learning), em que o computador associa padrões nas imagens à doença ou a outras causas. Ao todo, foram usadas 1.229 fotografias de 585 lesões diferentes, com a colaboração de 222 pacientes do Ambulatório Souza AraĂșjo, mantido pelo Laboratório de HansenĂase do IOC/Fiocruz.
Esse tipo de tecnologia jĂĄ existe para apoio ao diagnóstico do melanoma, um tipo do câncer de pele. No caso da hansenĂase, porém, uma maior variedade de lesões estĂĄ associada à doença, o que exigiu que o reconhecimento de imagens fosse combinado com o preenchimento de informações clĂnicas dos pacientes. Desse modo, também foi preciso ensinar ao algoritmo caracterĂsticas que jĂĄ foram descritas como sintomas da doença, como alterações de sensibilidade nos pés e perda de sensibilidade térmica nas mãos, e outras, como coceira, que tĂȘm maior probabilidade de serem causadas por outras enfermidades.
Quando apenas o reconhecimento de fotografias foi usado, o modelo proposto foi capaz de acertar quais casos eram de hansenĂase em 70% dos pacientes. A precisão aumenta para 90% quando leva em conta os dados clĂnicos.
A Fiocruz destaca que o algoritmo poderia acelerar o diagnóstico da hansenĂase por parte dos profissionais de saĂșde. Em entrevista à AgĂȘncia Fiocruz de NotĂcias, o chefe do Laboratório de HansenĂase do IOC/Fiocruz, Milton Ozório Moraes, explicou que, com isso, médicos poderão iniciar o tratamento da doença mais rĂĄpido e evitar consequĂȘncias graves que ela pode causar, como deformidades, perda de movimentos e problemas de visão.
"Essa ferramenta pode apoiar a decisão do médico de iniciar a investigação, acelerando a confirmação do diagnóstico e o inĂcio do tratamento, que é fundamental para interromper a transmissão da doença e prevenir sequelas", disse. O médico que acredita que um aplicativo com inteligĂȘncia artificial pode estar disponĂvel em dois anos, o que ainda depende de testes em outras partes do mundo e em diferentes contextos sociais e demogrĂĄficos para validar os resultados obtidos.
A demora na identificação da doença é considerada um dos maiores desafios para o seu tratamento e também favorece a disseminação da bactéria causadora, a Mycobacterium leprae. A fundação informa que mais de 200 mil novos casos de hansenĂase foram registrados em todo o mundo em 2019, sendo aproximadamente 10 mil com lesões avançadas. O Brasil é o segundo paĂs mais afetado pela doença e detectou 27 mil novos casos, dentre os quais 2,3 mil jĂĄ apresentavam danos avançados.
Com o inĂcio da pandemia de covid-19, em 2020, especialistas se preocupam que a queda no nĂșmero de diagnósticos signifique mais casos avançando sem tratamento. A Fiocruz cita dados de um levantamento da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) que apontou redução de 35% nos registros de hansenĂase em 2020, e de 45% em 2021, em relação a 2019.
A Organização Mundial da SaĂșde (OMS) tem como meta reduzir em 70% os novos casos de hansenĂase até 2030 e, no longo prazo, interromper a transmissão.
Fonte: AgĂȘncia Brasil